• Corpo e Saúde

    CARTA ABERTA AO COVID-19

    Caro Covid-19,

    Sei que a gente não se conhece – ainda bem – mas já ouvi falar muito sobre você e ainda sim, parece pouco. Você além de muito mistério, é perigo. Cientistas e profissionais de saúde do mundo todo estão querendo saber mais da sua personalidade, gostos, preferências… mas eu, especialmente, gostaria de saber suas intenções.

    A televisão, o rádio, e as mídias em geral falam sobre você. A programação diária deixou de ser a violência das grandes cidades, roubos e furtos, ou mesmo, a corrupção e brigas políticas. O assunto global, é sobre você. Não quero te fazer mais importante ou muito menos, puxar sardinha para o seu lado, mas é fato, ninguém fala sobre outra coisa, a não ser sobre você.

    Na história, já ocorreram diversas amostras do poder que vírus e bactérias podem alcançar. Inúmeras vidas foram perdidas e em nome delas, e em prol das futuras gerações, curas e antídotos foram descobertos. Uns ao acaso, outros pela persistência. Aparentemente, o medo e a pressão, são combustíveis de grandes conquistas e achados humanos.

    Contudo, achava-se que a Medicina e a Saúde de maneira geral, estavam desenvolvidas, e razoavelmente, bem preparadas para conter doenças. Mas aí, apareceu você – e o sistema se mostrou debilitado para receber as suas consequências ou melhor, fraquezas pré-existentes foram duramente expostas – propiciando um cenário de contágio mundial – uma pandemia.

    Atualmente, não sei se sabe, as notícias correm muito rápido. Mas sobre velocidade, até que você entende muito bem. De dezembro de 2019, na China, especificamente, daquele mercado local, até agora, você conseguiu viajar quase que o mundo inteiro. Apreciou a vista? Milhares de pessoas sonham em conhecer a Itália, a Espanha…mas você chegou antes, destruindo as possibilidades, até então, de se explorar novos horizontes.

    O que fez você aparecer agora? Muitos o associam com o consumo de animais, outros, atribuem a sua existência as mutações aleatórias virais inevitáveis. Bem, nesse debate, eu não tenho lados. Tenho a escuta atenta para conhecer as inúmeras versões que o homem vai suspeitar. Mas no fim, queria ouvir de você : por que agora? por que a gente? por que tão devastador?

    Cansado do clima temperado e mediterrâneo, você veio para o Brasil.

    Fez crescer o consumo de produtos de higiene e proteção, sem contar a corrida pela estocagem de alimentos – adendo : em muitos lugares as prateleiras estão vazias e falta álcool em gel ou máscaras, dificultando a logística de prevenção. A pessoas terem redobrado atitudes de precaução e de higiene é natural e esperado, todavia, vale o alerta, “cuidar de si, é cuidar do outro”, principalmente, em se tratando de saúde pública. Não há saúde individual, ela sempre foi e será coletiva. Talvez seja onde mora o grande risco, pois a manutenção da saúde e medidas de prevenção pressupõe aquilo que temos medo : depender do outro.

    Ao decidir viver em comunidade, abrimos mão do Estado de Natureza, e aceitamos o peso do Contrato Social. É preciso cuidar de todos. Não deve haver objeções.

    ilustração “Fases da Quarentena” de Kalê

    Ao descobrimos que você gosta de viajar por contato direto, tosse e secreções, ( confirma? ) máscaras viraram parte da vestimenta das pessoas, álcool em gel virou nossa segunda pele e se bastasse, foi oficializada a temporada da antipatia – apertos de mãos, abraços foram abolidos, além de tolerância zero com espirros!

    Nesse ritmo, os governos ditaram estado de quarentena em vários locais. Inclusive na minha cidade. Isolamento…como nos filmes de Apocalipse, sair de casa não é uma opção, só em casos de necessidade – que incluem alimentação e medicamentos. Uma tentativa esperançosa de evitar você. De reduzir, consideravelmente, o encontro contigo. Ninguém quer te conhecer – de perto – mas sim, ao ponto de saber lidar contigo. “Não é pessoal”, é apenas coletivo. “Não é você, sou eu”, e mais todas as pessoas que importam. Então é você mesmo, pode ir (embora).

    Em suma, caminhamos juntos e ao mesmo tempo, isolados, porém, em convergência ao bem maior – a preservação do bem-estar da humanidade. O momento agora é de conscientizar a si mesmo, e todos, sobre a importância de agir com empatia e senso de coletivo…assim me despeço de você, covid-19. Não sabemos como será os próximos dias de quarentena – ou quanto tempo irá durar e muito menos como será daqui para frente. Mas de uma coisa eu tenho certeza – eu estou aprendendo muito sobre nós mesmos com esse caos.